DOCUMENTÁRIOS

AULA 04 – DOCUMENTARIO – Edgard Oliveira

Num primeiro momento, foi salientado o contraste entre a organização da sociedade civil e o Estado. O primeiro é o foco da irracionalidade, das múltiplas questões sociais relacionadas à peculiaridade do sujeito, como a etnia, religião, posição ideológica de política e etc.  A sociedade, sobretudo a democrática (embora possamos falar de uma tensão sufocada nas ditaduras),  sobrevive numa esfera de tensão permanente. Os desejos e as ações se chocam com frequência e o próprio conceito de sociedade democrática deveria ser orientada de forma que isso fosse fomentado e não anulado ou amenizado.  É saudável a cultura das diferenças, em contraposição aos mecanismos de opressão da maioria sobre o indivíduo ou minorias quaisquer. O Estado, em contraste, é o foco da racionalidade humana. Ele é o organizador espacial/geográfico e humano/social. Com ele, não existe a possibilidade do diferente, da exceção. A lei, instrumento para essa organização, determina valores e interesses que representam determinada parcela da sociedade. Essa camada é privilegiada e consegue oprimir os desejos de outras tantas representações sociais que não são contempladas e, portanto, colocadas na ilegalidade.

Essa situação cria um paradoxo. O Governo pode ser legal, mas pode se apresentar como ilegítimo. Isso ocorre quando a população não corresponde e não acredita no benefício da lei. Um bom exemplo são as “Jornadas de Junho”.  Ao mesmo tempo em que milhões de brasileiros saem às ruas com pautas diversificadas, demonstrando o conflito político, a irracionalidade e a tensão social, o Governo oprime como que para manter a ordem da “não-diversidade”, da homogeneização dos desiguais que compõem a sociedade brasileira. O poder está em Brasília, mas não há reflexo de respeito nas ruas. Há o questionamento, a reflexão e a indicação de que as coisas precisam mudar em algum sentido, mesmo que os próprios agentes sociais envolvidos não consigam determinar qual é esse sentido.

Dessa forma, uma democracia legal e também legítima seria aquela em que o poder não estivesse centrado nas instituições homogeneizantes, mas sim no próprio povo. Quando a população ocupa as ruas, é isso que ela está dizendo. As instituições fazem parte de um contrato social. O indivíduo deixa suas peculiaridades, abre mão de suas vontades, e estabelece que o Estado deva mediar seus conflitos com seus semelhantes e com o sistema ao qual ele está inserido. Todavia, não significa que esse sujeito não esteja em conflito com a ordem vigente, pois a opressão nada mais é que a escolha do Estado de um padrão individual, peculiar, sobre os demais existentes.

Para Thoreau , “o melhor governo é o que não governa”. Nesse sentido, incentiva a desobediência civil como forma de protesto acerca da incapacidade da máquina pública de distinguir amigos de inimigos. No entanto, não acredito muito nessa conceituação. Enquanto teoria, considerando a autogestão dos povos, é excelente. Entretanto, isso não acabaria com o sistema tirânico de dominação do homem sobre o homem numa suposta democracia direta e radical. A sociedade civil é irracional, como já discutimos, mas setores mais organizados e financiados pelo Capital acabariam ocupando o vazio do Estado. Acredito que isso já aconteça na nossa sociedade. A questão da saúde é clara nesse aspecto. O Estado deixa a saúde pública sucateada para que a iniciativa privada lucre com o mesmo. É utópico pensar numa autogestão pública da saúde onde a iniciativa privada não domine. Ora, a iniciativa privada também faz parte do caos e da irracionalidade, no entanto, com um poder muito maior de cooptação pública (do Estado e das massas) para os seus interesses. Ainda que eu não defenda essa ideia de ausência do Estado, concordo com a premissa de que o cidadão possui o direito de se rebelar. Pela própria complexidade do sistema, valores individuais essenciais podem ser oprimidos. Sendo assim, cabe ao afetado a rebelião, o direito de questionar o legal e de não respeitar o que não é legítimo. E nesse aspecto, a democracia deve ser radicalizada. O sujeito deve ter o direito de se representar na ausência de uma legitimidade nas instâncias que deveriam dar conta disso. Dois exemplos dado em sala de aula foram as manifestações do Movimento Passe Livre em 2013, em São Paulo, e a greve dos garis em 2014, no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, não havia representante que indicasse uma reivindicação específica. O Estado tinha que conversar  e interpretar o desejo de todos, do caos, dos conflitos, da irracionalidade. Seria muito mais fácil se, por exemplo, o sindicato representasse os garis. A negociação com um representante é muito mais fácil e, inclusive, mais passível de corrupção. Mas como negociar com uma classe inteira? Como subornar centenas de pessoas? E quando um país inteiro sai às ruas sem bandeiras de partido e dizem que querem atenção do Governo? Quais pautas devem ser prioritárias para serem atendidas?

Esse panorama torna-se ainda mais caótico quando pensamos no cenário global. As constantes crises do capitalismo sempre foram superadas com negociatas entre os governos e, em todos os casos, alguma população foi prejudicada para a saída da crise. Todavia, está cada vez mais complicado convencer determinada sociedade a aceitar decisões autoritárias e que não agradam. Temos vivido uma crise de migração na Europa. Em meio à dúvida dos governantes e ao pensamento e atitudes de pouca cooperação, populações inteiras têm saído às ruas em defesa do acolhimento. A França é um bom exemplo dessa situação. Outra análise que podemos fazer é acerca da Grécia. Em meio a diretrizes desfavoráveis da comunidade europeia para das condutas econômicas e sociais que o país deveria tomar para sair da crise, as pessoas se manifestaram de forma que não aceitaram as imposições por completo. Além de elegerem um partido de esquerda, o que não é comum na república grega, ainda apoiaram de tal forma que o seu líder renunciou para convocar novas eleições e obter um congresso mais favorável. Ele obteve sucesso com amplo apoio das massas. Em sala de aula, foi citado também a questão da Espanha de eleger prefeitas para Barcelona e Madrid que não são vinculadas a nenhum partido específico. Nesse caso em questão, cabe salientar a situação brasileira. Nós não nos sentimos representados pelo Governo em nenhuma esfera pública (executivo, legislativo e judiciário). Não importa a orientação ideológica e política, ninguém está satisfeito. Há uma crise representativa das instituições, mas também dos que se dizem representantes do povo, notadamente os partidos políticos.